O Presidente da República de Angola (não nominalmente eleito, recorde-se) congratulou-se hoje com os resultados da justiça nos dois anos de mandato, com dez vezes mais inquéritos do que nos cinco anos anteriores e recuperação de milhões de dólares para o Estado. Que sorte teve João Lourenço. Se o anterior PGR fosse sério e íntegro, onde estaria hoje o Presidente do MPLA?
Discursando na Assembleia Nacional sobre o Estado do seu reino, na abertura do ano legislativo, João Lourenço referiu que o departamento de combate à corrupção da Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou 192 processos de inquérito de 2017 a 2019, face aos 18 entre 2012 e 2017, “ou seja, instaurou em dois anos dez vezes mais inquéritos do que nos cinco anos anteriores”.
Presume-se, em função da exuberância com que falou e da orgia reinante nos sipaios da bancada do MPLA,, que para João Lourenço instaurar inquéritos significa sentenças transitadas em julgado. Inquéritos são uma fase processual, não são condenações e – presumimos nós com elevadíssimas doses de ingenuidade – até prova em contrário todos são inocentes. No MPLA não é bem assim, mas deixem-nos acreditar que um dia Angola será um Estado de Direito.
O chefe do governo assinalou ainda que o departamento de Investigação e Acção Penal submeteu ao Tribunal Supremo, para julgamento, 11 processos-crime de natureza económico-financeira, entre os quais o processo dos 500 milhões de dólares (cerca de 454 milhões de euros) retirados das contas do Banco Nacional de Angola para o exterior e que foram revertidos a favor de Angola com ajuda das autoridades britânicas.
João Lourenço notou ainda o papel do Serviço Nacional de Recuperação de Activos que permitiu recuperar 2.350 milhões de dólares (2.132 milhões de euros) para o Fundo Soberano de Angola, através de um acordo com a entidade que geria anteriormente os seus activos, bem como património imobiliário domiciliado no estrangeiro e avaliado em mil milhões de dólares (908 milhões de euros).
Foram também recuperados para o Estado duas fábricas de medicamentos, três de têxteis e dois terminais portuários em Luanda e no Lobito, para além – com a preciosa ajuda dos camaradas socialistas portugueses – do emblemático e paradigmático processo Manuel Vicente…
No âmbito de outros processos cíveis, o Estado recuperou ainda 52 imóveis, oito bens móveis, 15.681 milhões de kwanzas (34 milhões de euros), 313 milhões de dólares (284 milhões de euros) e 9,629 milhões de euros e estão apreendidos, à ordem de processos-crime em curso, 20 imóveis e seis viaturas. Isto, acrescentamos em abono do impoluto desempenho da equipa escolhida no alfobre do MPLA por João Lourenço, para além de 142 bicicletas, 93 cangulos, 231 zagaias, 424 fisgas, 18 alambiques de fabrico artesanal de caxipembe e duas máquinas de produção de… angolares.
Actualmente estão a correr (se calhar estão é parados) nos tribunais, segundo João Lourenço, mais de 45 processos onde o Estado reivindica a devolução de valores ilicitamente retirados, num total de mais de 4 mil milhões de dólares (3,6 mil milhões de euros).
O presidente sublinhou ainda o reforço da cooperação da PGR com entidades congéneres internacionais, nomeadamente Portugal, Suíça e Reino Unido. Não é despiciendo alargar esta cooperação internacional à Coreia do Norte, a Cuba, à Guiné Equatorial, ao Zimbabué e a Mianmar (antiga Birmânia).
A treta da cooperação Internacional
Recorde-se (não ao Presidente do MPLA porque ele não tem memória mas apenas uma vaga ideia) que o general Hélder Pitta Grós, Procurador-Geral da República do MPLA, o único partido que governa Angola há 44 anos, afirmou no dia 16 de Novembro de 2018 que a falta de verbas estava a condicionar a cooperação internacional e o cumprimento de diligências como cartas rogatórias.
Hélder Pitta Grós falava, nesse dia, também na Assembleia Nacional (do MPLA) num encontro entre as primeira e décima Comissões de Trabalho Especializadas e representantes do Tribunal Supremo, Tribunal de Contas, Tribunal Constitucional, Tribunal Supremo Militar e o Ministério da Justiça e Direitos Humanos, no âmbito da (suposta) apreciação do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2019.
Segundo o Procurador-Geral da República, “os novos ventos, que este ano surgiram”, levou a Procuradoria a realizar actividades inéditas que tiveram de ser feitas “com ou sem recursos”. É obra, reconheça-se. Fazer “actividades inéditas” e ainda por cima “sem recursos” não é para qualquer um. Bravo, general Hélder Pitta Grós.
“Não deixamos de fazer o nosso trabalho porque não tínhamos recursos”, disse Hélder Pitta Grós, para enumerar as dificuldades por que passam para a execução das actividades.
“Temos outros técnicos que trabalham connosco, trabalham um, dois meses, a ordem de saque não é paga e ele vai embora, porque diz que não está para trabalhar de borla”, disse o PGR. Então como é senhor Presidente da República? Então como é senhor Titular do Poder Executivo? Então como é senhor Presidente do MPLA? Assim não vale! Trabalho escravo, só mesmo para os angolanos de segunda.
A situação repete-se com “os próprios investigadores, os magistrados”, apontou Hélder Pitta Grós. Num Estado de Direito, que é algo que Angola (ainda) não é, o PGR seria demitido (já que, reconhecidamente, não tem coragem para se demitir) ou o Presidente da República (João Lourenço) viria a público – numa comunicação ao país – pedir desculpa e reconhecer que, afinal, um ano depois só tinham mudado (algumas) moscas.
“Eles trabalham o dia inteiro, de manhã até à noite, e têm de tirar do seu bolso, precisam de comer, de fazer telefonemas, têm de pagar o seu saldo, têm de tirar fotocópias e utilizam o seu dinheiro para isso. Portanto, temos de saber bem aquilo que a gente quer. Temos não só de combater os crimes, como também de fazer a prevenção, e a prevenção também custa dinheiro”, disse Hélder Pitta Grós.
A PGR conta também com a cooperação internacional, que tem sido fundamental, segundo o magistrado, tendo exemplificado que, em 2017, registaram um total de 124 cartas rogatórias nos dois sentidos – recebidas e enviadas.
“Até Setembro deste ano, já estamos em 300, e isso também é dinheiro, porque as cartas rogatórias têm de ter tradução, de ter fotocópias. Muitas vezes temos de buscar especialistas para nos ajudarem, porque não podemos ver a cooperação judiciária só num sentido, dos outros para connosco. Nós também temos de dar alguma coisa e sentimos isso, às vezes, quando temos contactos com algumas entidades no exterior, em que nós procuramos informação”, referiu.
“Eles perguntam: ‘e vocês o que têm?’ A cooperação judicial não é só ir buscar, tem de se receber e ir buscar e quanto mais se dá, mais se recebe. Se não se dá nada, não se recebe nada e isso é dinheiro”, frisou.
Hélder Pitta Grós disse estar ciente das dificuldades por que o país passa, mas esperava alguma abertura do Ministério das Finanças. Bem pode esperar sentado, o que certamente fará num cadeirão cómodo e bem estofado. É que, no âmago, o Presidente João Lourenço não está interessado em resolver este e milhares de outros problemas que o MPLA criou ao longo das últimas décadas.
“Temos consciência de que o dinheiro é pouco, mas, se trabalharmos em conjunto com o Ministério das Finanças, podemos ver a melhor forma de gastarmos o pouco que existe. Agora, quando apresentamos uma proposta e depois recebemos a contraproposta, sem termos sido ouvidos, da forma como é feita, dificulta um bocado todo o exercício que se queira fazer”, lamentou.
Por fim recorde-se a emblemática frase do herói de João Lourenço e do MPLA, que o presidente guinda para um pedestal quase divino, António Agostinho Neto: “não vamos perder tempo com julgamentos”.
Folha 8 com Lusa